Mais uma vez, me aconteceu algo divertido. Em um dia que não era um dos meus melhores, uma versão tristonha, adoecida e muito cansada de mim observou um gambá no fio elétrico.
Na hora foi só angústia. É macho ou fêmea? Está carregando filhotes? O que ele está fazendo ali? Vai pular ou descer? O vento tá forte. Será que ele vai cair? O que eu devo fazer?
Num primeiro momento, esse encontro serviu para espantar a tristeza. Tristeza essa causada pela rejeição, por não me sentir suficiente, de não conseguir o que quero. Coisas que passam pela mente mortal, vez por outra. Mas agora, minutos depois de cozinhar o ocorrido na minha cabeça, percebi ao menos dez efeitos e significados diferentes que esse causou em mim. Talvez falar sobre pelo menos três destes me acalme.
Primeiro: que diabos eu poderia fazer para ajudar o bicho? Não sou bióloga nem veterinária para dizer se ele estava bem ou não; não poderia escalar o poste para socorrê-lo; não poderia sair gritando e alarmando a todos sobre o risco de um gambá que estava para cair do fio elétrico. Eu não podia fazer nada.
De fato, a impotência é revoltante. Principalmente se se tratar de um assunto mais do nosso íntimo, não poder fazer nada é desconcertante. O sentimento pode ser até pior do que a própria impotência em si. Mas a questão é que, em algum momento ou aspecto da nossa vida, nós seremos impotentes. Eu em uma coisa, você em outra, ele também. E tá tudo bem.
Sei que todos esperam que saibamos lidar com tudo. Ser “bem-resolvidos” e bons samaritanos, simultâneamente, seja lá o que isso quer dizer. Mas te digo que, para o bem ou para o mal, isso é impossível. Ou, pelo menos, não conheço ninguém que tenha conseguido por muito tempo.
Aliás, o gambá não precisava de ajuda. Eu que, portadora da síndrome “mal-do-ser-humano”, tive o ímpeto de pensar que aquele ser inferior precisava da minha ajuda. Claro que esses foram pensamentos completamente inconscientes, mas passaram por minha mente e percebo que é mais um padrão se repetindo.
Dizem que faz parte da compaixão humana querer ajudar. Mas até que ponto é compaixão? Quando começa a ser pena? Não sei, mas pena me parece um sentimento perigoso, carregado de estigmas e preconceitos. Me incomodou querer oferecer minha inútil ajuda a um animal que conhecia muito bem seu trajeto e sabia exatamente o que estava fazendo.
No meu caso, nem sempre eu sei o que estou fazendo. Sou membro vitalício desse jogo de se equilibrar no fio elétrico da vida. Às vezes eu preciso pender para um lado, outras vezes para o outro, mas sigo dosando e enfrentando qualquer ventania.
Eu não preciso saber o que fazer o tempo todo e nem todo mundo vai estar precisando da minha ajuda sempre que eu pensar que sim. E tá tudo bem. Faz tempo que sabemos que o Homem não é o centro do universo mesmo, que dirá eu. Confiemos no Copérnico.
Acho que ele não devia saber 100% o que tava fazendo também, mas acho que isso também é algo que pode ser bom se ele tava confiante e concluiu que valia o risco pro que queria.
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